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Conic - O brilho das Drag Queens


Assim que Savanna Berlusconny sobe ao palco ao som de uma música pop animada, o público da boate do Conic se aglomera para assisti-la. Ela, com pernas compridas e bem torneadas, sorriso confiante e peruca brilhosa, não hesita em seus movimentos. Com passos de dança bem ensaiados e rítmicos, Savanna leva o público à loucura, enquanto joga o cabelo de um lado ao outro.

No meio da coreografia, sua peruca cai. Ela não se deixa abalar e seus passos não se confundem em nenhum momento. Quando está em cima dos palcos, Savanna é a estrela do lugar. Ela continua dançando até o final da música, suas macabras lentes de contato brancas reluzindo à luz brilhante do local.



Assim que a música acaba, ela sai correndo dos palcos. Os aplausos estouram a sua volta enquanto ela sai apressada e ninguém percebe a lágrima silenciosa que escorre por seu rosto. “Eu corri e vim pro camarim chorar. Eu corri e fiquei chorando aqui. Aí depois a Carrie [outra Drag que se apresentou hoje] falou ‘Põe a peruca e vai dar entrevista!’. E olha, eu demorei três anos fazendo shows pra conseguir pagar essa peruca”, explicou Savanna, alisando carinhosamente a peruca já recolocada em seus cabelos.

Pela autenticidade e por Savanna ter conseguido driblar o imprevisto, a queda da peruca pareceu até mesmo proposital, mas para ela foi como um desastre. “A peruca é o complemento fundamental da montação”, contou. “Porque mesmo quando você se maquia e se olha no espelho, quando a peruca entra, por mais que a roupa esteja estranha, ela é a peça chave, sem ela não tem como se montar, infelizmente não.  Ela é o nosso alicerce.”


Savanna continua seu show mesmo sem a peruca e arranca aplausos do público/ Foto: Regina Arruda



Carrie Meyers, que tem seu nome artístico inspirado na personagem “Carrie, a estranha”, foi a convidada da noite para uma participação especial. Ela e Savanna fizeram um número de comédia que ensaiaram minutos antes no camarim, mas que fez o público local gargalhar. As duas encenaram piadas sobre como se preparar, na rodoviária, para um encontro romântico.

Espetáculo que Carrie Meyers e Savanna Berlusconny em boate do Conic / Foto: Regina Arruda
Para a ocasião, Carrie estava fantasiada de Mickey Mouse. Colan preto e vermelho, orelhinhas e luvas brancas. Cada detalhe foi pensado. Até mesmo o sapato de salto alto que usava era amarelo, para combinar com o brinco. Suas lentes assustadoras e brancas, e seu batom preto comprovaram que Carrie realmente não tinha como passar despercebida naquela noite. Mas segundo ela, seu objetivo nunca foi parecer uma mulher. “Eu nunca quis parecer uma garotinha, e nem acho que meu personagem é tão feminino. Eu sempre quis algo que fosse o mais diferente possível. Conheço várias Drag Queens que quando montadas você olha na balada e acha que é uma mulher, mas meu objetivo não é esse”.


Para Carrie, uma das vantagens que as Drag Queens têm, é a vasta possibilidade de se produzirem. Cada dia podem estar de um jeito diferente, se vestir de um novo personagem e, no final de tudo, continuar sendo um homem. “A gente pensa na hora de soltar todas essas fitas que prendem a gente. Mas não passa na cabeça da gente de botar peito e de deixar cabelo crescer. Eu penso ‘pra que ter um cabelão se semana que vem eu quero estar de cabelo rosa e no domingo eu quero estar de cabelo roxo?’”.
Carrie Meyers se fantasia de Mickey Mouse para a apresentação da noite/ Foto: Regina Arruda e Bruna Goularte
Carrie contou que estudou por quase seis meses para aprender tudo sobre maquiagem e cabelo para trazer o melhor para o público. Segundo ela, essa é uma forma de se expressar. “Ser Drag Queen pra mim é arte. Eu pego toda a arte que eu tenho guardada em mim e jogo na minha personagem. É meio que meu lado feminino. A gente se veste pra fazer show e apresentação e quando eu tirar isso aqui tudo, toda essa camada de maquiagem, eu sou um garoto”, revelou.


Habituamente toda a produção acaba no fim da noite, mas Carrie contou que já pegou metrô toda elaborada e foi normal, tudo ocorreu bem. As pessoas pediram até para tirar foto, mas de acordo com ela, não é todo lugar de maioria heterossexual que se tem uma boa recepção. Com isso, ela assume que atualmente não tem mais atitudes assim, pois tem medo da reação das pessoas. “Hoje em dia eu não tenho mais coragem de fazer isso. Eu paro para pensar e falo ‘Meu Deus, que loucura’. Tem pessoas ruins em todos os locais e pra fazer uma maldade comigo é um pulo, sabe? Mas dependendo do lugar, os heteros sabem receber a gente muito bem”.


Boate


A grande movimentação que ocorre nos corredores do Conic durante o dia, dá espaço a uma área pouco frequentada no período noturno. No decorrer do dia, o local vai sendo abandonado e, pouco a pouco, as pessoas que ocupam o Setor de Diversões Sul, deixam o espaço. No entanto, é por causa desse lugar plural de cultura e gostos dos mais variados tipos que muitos brasilienses ocupam o Conic fora do horário comercial e buscam diversão, boa localização e uma vida noturna animada que aconteça em uma casa de festas LGBT.


É lá que as Drag Queens Savanna Berlusconny, de 22 anos e Carrie Meyers, de 18, são atrações quando querem se apresentar e procuram por um público fiel. “Essa é uma boate que desde sempre vem trazendo as Drag Queens. Então a gente já tem uma recepção muito boa aqui”, contou Carrie Meyers. “Se tem uma semana que a gente não vem, a galera fica ‘Cade vocês? Vocês não apareceram’. A galera nos recebe muito bem”.


As Drag Queens, Savanna e Carrie ilustram a diversidade do Conic / Foto: Bruna Goularte

Carrie acredita que a diversidade existente no Conic é importante para a visibilidade das Drag Queens, para que a população passe a notá-las com outros olhos. “É legal porque as pessoas tentam enxergar a gente, sabe? Não enxergar como monstros ou como pessoas que são ruins. Somos pessoas boas. Então quando eu mostro o meu trabalho para esse público diverso que tem aqui no Conic, eles vão entender que não é assim”.


Além disso, o palco do Conic permite um espaço de expressão às Drags. Savanna explicou como se sente quando está apresentando. “Eu me sinto uma rainha, me sinto uma deusa. E é uma sensação ótima. Agora é assim: em dia de show, por exemplo, eu brigo feio com o produtor, e a gente fica sem se falar”, contou ela.  “Isso acontece porque eu fico muito tensa. E eu digo ‘ah, enquanto eu sentir isso, eu continuo na profissão’. Mas quando eu parar de sentir isso, eu também paro, porque aí eu acho que perdeu a magia”.


A equipe de reportagem do Esquina Online vivenciou uma noite na boate LGBT. “Vocês estão na festa certa?” Perguntou logo de cara o segurança para a equipe assim que pareceu na porta da boate. “Eu conheço o pessoal que vem aqui. E vocês não têm o tipo dos que frequentam esse tipo de lugar”. O segurança, ao se pronunciar, mostrou que conhecia bem as pessoas que iam ali para se divertir.


Mas tirando o segurança conhecedor do público, ninguém dentro da boate pareceu estranhar a presença dos repórteres. O estilo das pessoas ali dentro era do mais diverso. Na porta da festa, a única exigência era para mostrar as identidades para confirmar se possuía a idade mínima de 18 anos para frequentar o local. Por estar localizada no centro de Brasília e próxima a rodoviária, esse é um bom cenário para quem não tem carro ou não quer enfrentar os estacionamentos vazios depois de uma festa, pela possibilidade de pegar um ônibus no início na manhã.


Diversidade


Nem só de boas recordações vive o Conic. A boate onde as Drags se apresenta é vizinha de parede com uma igreja evangélica. “Os nossos horários são totalmente diferentes, então o público não chega a se chocar. Só teve uma única vez mesmo… No mais, graças a Deus, nunca aconteceu nada… Nunca nem polícia...A gente sempre trabalhou nos conformes”, explicou Savanna, quando questionada sobre como era relação que a boate mantinha com uma igreja tão próxima.


A boate LGBT é vizinha de uma igreja evangélica. Atualmente a relação entre os espaços é saudável/ Foto: Regina Arruda
“Só teve uma vez que aconteceu um probleminha”, contou Savanna. “O pessoal estava se apresentando, com a casa cheia, e os pastores da igreja desligaram o gerador do Conic. Bateu polícia, foi muita briga. E o pessoal da igreja disse que ‘era safadeza’, que não podia”. Isso já tem mais ou menos uns cinco anos. E foi antes de eu me apresentar. Eu estava frequentando e presenciei tudo. Mas tudo bem… Águas passadas não movem moinhos!”

O segurança da boate, Juarez da Silva já trabalha no Conic há dois anos. Ele disse que já percebeu atitudes de preconceito a transexuais, Drag Queens e homossexuais que frequentam a boate. “A igreja quando começou, o pessoal que saia de lá não deixava eles (LGBT) ficarem aqui na frente. Já aconteceu de avançarem em muito deles ali dentro. Agora, hoje em dia tá muito calmo, mas isso aqui antigamente era muito pior”.

Por Bruna Goularte e Regina Arruda - Esquina Online