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Uma defesa para o lobby


Elisa Diniz
Novembro, 2015

Em tempos de operação Lava Jato, Petrolão, contas na Suíça e outros escândalos, defender o lobby pode parecer pecado mortal. Mas não é. A atividade, regulamentada em vários países, é legítima e necessária para a consolidação do processo democrático. O que não é justo é confundi-la com crimes como tráfico de influência e corrupção. E essa confusão tem sido muito frequente!


Então vamos do começo. Lobby ou relações governamentais é, de maneira bem simples, a defesa de interesses junto a membros do poder público que tomam decisões, conforme nos ensinam Wagner Mancuso e Andréa Gozetto (2012). E, ao contrário de uma simples interferência, é uma ferramenta que auxilia a tomada de decisões, privilegia o conhecimento técnico e aperfeiçoa a democracia por meio do diálogo com diversas partes interessadas em um mesmo assunto. A Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), que desde 2007 defende a participação da sociedade civil e do setor privado nos processos de decisão política, tem uma definição mais elaborada: a atividade de Relações Governamentais é aquela por meio da qual os atores sociais e econômicos, impactados por proposições legislativas (Parlamento) ou por políticas públicas (Executivo), fazem chegar aos tomadores de decisão política a visão que possuem sobre a matéria. Neste link para o site da entidade, você pode encontrar ainda mais detalhamento.

 


Entenda mais sobre relações governamentais
Crédito: Imagem Corporativa Comunicação Ltda
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Quer dizer que qualquer pessoa pode defender interesses perante autoridades públicas? Sim. E esse direito é garantido em diversos diplomas legais. Por exemplo, a Constituição Federal estabelece direitos fundamentais como a liberdade de expressão. Já os Regimentos Internos das duas Casas do poder legislativo (Câmara dos Deputados e Senado Federal) instituíram dispositivos para ouvir diretamente a sociedade como as audiências públicas, a ouvidoria parlamentar, a Comissão de Legislação Participativa, a iniciativa popular e até mesmo o credenciamento de entidades e imprensa, com vistas a aumentar a transparência dos trabalhos desenvolvidos em nome do eleitor.

Pois bem, vamos imaginar que você, caro leitor, se cansou de tanta corrupção e decidiu se candidatar a deputado federal. O destino quis que você ganhasse e, no dia 2 de fevereiro de algum ano múltiplo de quatro, lá estava você tomando posse na Câmara dos Deputados. Então, obedecendo às regras da instituição, você foi parar na Comissão de Seguridade Social e Família e, de repente, se viu responsável por analisar e dar parecer a um projeto de lei sobre tratamento para câncer de mama no Sistema Único de Saúde (SUS).  Você contará com o apoio de assessores parlamentares e legislativos para a análise técnica da matéria. Mas para poder entender a fundo a questão e analisá-la sob o ponto de vista de todos os afetados pela futura legislação, terá que ouvir também a opinião de pacientes, médicos, especialistas, gestores do sistema público de saúde e tantos mais. É como se, num piscar de olhos, você tivesse que virar um especialista em tratamento do câncer de mama. Nada mais justo, então, do que ouvir os pontos de vista das partes envolvidas, deixar que apresentem argumentos e, com base neles, tomar sua decisão. O importante será sempre dar voz a todas as linhas de argumentação.


Relações governamentais x crime 

A atuação dentro da regra permite discutir várias nuances como: todos os grupos com interesses comuns são organizados e articulados de maneira eficiente para defender seus pontos de vista? Todos têm acesso ao mesmo nível de recursos (financeiros, humanos, tecnológicos etc.) para exercer o seu direito? A resposta provavelmente será não. Mas a situação apenas reflete a nossa atual forma de organização social e a desigualdade social/econômica em que vivemos.

Então, como isso difere dos escândalos que estampam os jornais diariamente? Há uma diferença muito grande. O que hoje tem sido chamado levianamente de lobby é, na verdade, corrupção, tráfico de influência e outros crimes previstos no código penal. A entrevista abaixo, feita para o blog, com o advogado e presidente da Abrig, Caio Leonardo Rodrigues, ajuda a entender a diferença entre cada uma  dessas coisas. E ele exemplifica com um caso relacionado ao ex-presidente Lula. Vale a pena assistir.




Profissionalizar para diferenciar

Várias iniciativas vêm buscando diferenciar cada vez mais a atividade de relações governamentais das práticas ilícitas. A capacitação profissional é uma delas. Existem hoje vários cursos de curta duração, e este ano foi lançado o primeiro MBA em Relações Governamentais. O curso já conta com três turmas, totalizando mais de 100 alunos, nas cidades de Brasília e São Paulo, e já planeja chegar também ao Rio de Janeiro. Ele está estruturado a partir de quatro eixos: Estado e Governo; Comunicação; Direito e Economia e Habilidades específicas.

Para Andréa Gozetto, cientista política e doutora em Ciências Sociais pela Unicamp, a capacitação dos profissionais na área é vital. “O incremento da democracia e o aumento da complexidade do processo decisório estatal fazem com que seja necessário obter maior conhecimento sobre os elementos da estrutura e dinâmica da comunidade de representação de interesses, aprofundar o conhecimento técnico (funcionamento prático da política, processo decisório e ferramentas analíticas) e melhorar as habilidades de comunicação oral e escrita para que se consiga influenciar o processo decisório de forma eficaz”, afirma. Ao contrário do que se possa pensar, Andrea afirma que, mesmo em meio à atual crise econômica e política do país, “a demanda por profissionais de relações governamentais tem aumentado consideravelmente”. Para ela, os atuais escândalos de corrupção “abrem um importante espaço para que se possa informar a sociedade civil sobre o real trabalho de um profissional de relações governamentais, que não guarda semelhança com corrupção, tráfico de influência ou qualquer crime contra a administração pública”.

Kelly Aguilar, presidente interina do iRelgov (Instituto de Relações Governamentais), concorda com Andréa. Para Kelly, temos hoje “muitas oportunidades de mostrar como trabalhamos e que nossa profissão é um trabalho fantástico e engenhoso, que exige conhecimento, estratégia, negociação, resiliência, educação, relacionamento interpessoal, enfim, uma profissão que gera diariamente resultados, mas muitos ainda não percebem”. O iRelgov foi criado oficialmente em março deste ano, com o objetivo de elevar o grau de profissionalismo, competência e padrões éticos dos Profissionais de Relações Governamentais. O Instituto, que se baseia nos princípios da Legitimidade, da Legalidade, da Transparência e das Boas Práticas, tem como missão ser um ThinkTank, ou seja, uma instituição que produz e difunde conhecimento estratégico, contribuindo com informações relevantes, fomentando o diálogo e compreendendo as tendências do mercado.
Tanto o iRelgov quanto a Abrig instituíram parâmetros que orientam as atividades dos associados, dando mais transparência à profissão. O iRelgov adotou uma Carta de Princípios e a Abrig, instituiu o primeiro Código de Conduta do Profissional de Relações Institucionais e Governamentais.

Regulamentação da atividade

A Abrig trabalha também pela regulamentação da profissão no Brasil. Existem, atualmente, sete projetos de lei em tramitação no Congresso que abordam o tema. Todos eles, seguindo uma tendência internacional, visam coibir práticas ilícitas e controlar a atividade de quem se dedica a influenciar o processo legislativo. 

Para a Abrig, no entanto, esses projetos não representam uma visão adequada do que deveria ser a regulamentação. A proposta da entidade é ampliar essa visão e trabalhar pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento de uma democracia participativa, que seria um avanço em relação à nossa democracia representativa.

Na democracia representativa, a decisão está nas mãos do agente público, o mandatário eleito, apoiado por assessores e equipes técnicas. Porém, confinado em poucas mãos, “o processo esbarra no limite do conhecimento pessoal de cada setor da economia que será impactado por uma decisão”, afirma Caio Leonardo. Já na democracia participativa, como defende a Abrig, seria possível “oferecer canais de interação e informação entre quem vai decidir na esfera governamental e quem vai sofrer as consequências na esfera privada”, completa. É nesse sentido que a Abrig trabalha. “Temos uma proposta de regulamentação da participação na tomada de decisão política e estamos discutindo com autores e relatores” dos atuais projetos em andamento no Congresso, conclui. 

Quer saber mais?
Pra quem quiser conhecer um pouquinho mais essa discussão, sob o ponto de vista de diversos profissionais da área, a Aberje, Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, publicou no Youtube uma gravação realizada em agosto de 2015 no Seminário União Marista do Brasil/Aberje de Representação e Relações Institucionais, em São Paulo. Veja abaixo. 



Se você entende bem inglês, veja também este vídeo da antiga The American League of Lobbyists (Liga Americana de Lobistas, em tradução livre):




Uma curiosidade é que, em 2013, a Liga mudou o nome para Association of Government Relations Professionals (Associação dos Profissionais de Relações Governamentais). A substituição do nome teve relação com o próprio entendimento sobre a atividade desenvolvida, como conta esta matériatambém em inglês.